sexta-feira, 7 de março de 2008

Assombros no calendário

Aconteceu hoje cedo. Foi um soco na memória.

Eu estava no meu trabalho elaborando uma certidão. Finalizando o documento, constavam local e data, Laguna, seis de março de 2008. Foi aí que eu paralisei, com cara de demência. Eu não esperava um susto daqueles.

Como assim, seis de março, se ontem mesmo foi réveillon? Eu não entendi. Até agora eu ainda não entendi. Tenho certeza que trinta e um de dezembro foi ontem, eu estava em Copacabana rodeada de pessoas que amo muito, o céu cravejado de luz, a noite era dia, os fogos de artifícios mais irreais que já vi, uma queima de vinte e três minutos, nem se sabia pra onde olhar, respirava-se aquele ar de 'seremos ainda mais felizes no ano novo'. Foi ontem, eu juro pela alma de Nelson Rodrigues.

O que mais me apavora é que a vida está passando rápido demais, demais, pra mim, que tento não perder nenhuma boa chance de nada, por menor que seja. Que levo a sério o carpe diem. Que não sofro de chiliques. Que faço artesanato com sucata. Que sinto a respiração das plantas. Que como comida de três dias. Que vivo me alongando, forçando o limite dos músculos, dos tendões, da dor, pra melhorar a consciência corporal. Que arrisco. Que sou compulsiva por garimpar sebos e compro dezenas de livros por vez. Que já dormi numa cama onde embaixo dormia solta uma pittbul de quem eu não era íntima. Que fui de Araranguá a Recife de ônibus, colecionando histórias memoráveis. Que já entrei no carro errado, na festa errada. Que pari aos quinze anos. Que tenho amigos até em Bangladesh. Que reciclo papel. Que inspiro profundamente, piso a terra, pulso com o mundo. Que ainda mantenho correspondência postal. Que faço horta. Que quero fazer tudo ao mesmo tempo, e me perco no relógio, no calendário, mas cheguei ao ponto de aceitar e respeitar meu ritmo próprio. Que não tenho o menor problema em rachar de rir ou chorar em público. Pra mim, que me desespero porque o Machado tinha razão, 'Matamos o tempo; o tempo nos enterra', e eu desejo fazer tanta infinidade de coisas antes da terra me chegar por cima... Pra mim, que num contexto que reputo válido tento efetivamente viver, o tempo está voando mais, muito mais do que posso acompanhar até mentalmente.

Então fico tentando imaginar como é a percepção da passagem do tempo para as outras pessoas. Especialmente para as que têm chiliques demais, preconceitos demais, ressalvas demais. Pra quem vive, nos versos de Cazuza, '[...]Remoendo pequenos problemas/Querendo sempre aquilo que não têm/Pra quem vê a luz/Mas não ilumina suas minicertezas/Vive contando dinheiro/E não muda quando é lua cheia[...]'.

E nos vinte minutos que levei pra escrever este pequeno rol de assombramentos, sei lá que dia já deve ser...