terça-feira, 30 de setembro de 2008

enquanto caía a luz nos Molhes

eu estava sem máquina

prum registro ad eternum


eu andava obrigada

a gravar na memória

[apenas na memória]

aquelas relações de fauna

que aconteciam tão bem


os botos-auxiliares-de-pesca

não sabiam o que é cansar

e homens-pescadores

tinham água na cintura

e redes em punho

e à espera de cardumes

também um passaredo

passarava sem fim


aquele menino se perdia

corria sem ter pra onde

nem sabia o que olhar

era cena muito vivaz

uma trama festiva demais

pros olhos de alguém

qu’inda nem falava


e mesmo eu

com retinas já crescidas

onde nem cabia tudo

tanta água tanta luz

e energia e gente

e boto e gaivota

e garça e peixe

numa cadeia alimentar

que funcionava em paz


mesmo eu me espantava

e me esmerava e bem tentava

fazia um tudo pela retenção máxima

daquele entardecer particular

segredando comigo

o melhor de tudo


[: lá estar

sem máquina]

quarta-feira, 17 de setembro de 2008

na areia da ampulheta

não se percebe
há pressa demais
é tempo de máquinas
vazios mascarados
infartos fulminantes
primaveras sem efeito
superações modernidades
das quais de verdade
nem se gosta tanto

não se percebe
há pressa demais
mas é peculiar a quem se pense
intuitiva feito respiração
a ampulheta de tempo-em-potência
que deixa ler o intraduzível
nos olhos dos amores
a ampulheta onde cabe a compreensão
da água
e das demais seivas da vida
e da importância de viver avivando jardins
a ampulheta que permite
na relação com o mundo
um corpo-a-corpo
uma alma-a-alma
um fôlego-a-fôlego
um espasmo-a-espasmo
uma vida-a-vida
um tudo-a-tudo
no processo de ser pessoa
para que ninguém aconteça em vão
e seja o melhor em si
às vezes sem dor
e até em silêncio