domingo, 29 de junho de 2008

domingo














um sem-fim de pessoas
não suporta domingo
o suposto dia de tédio

já eu, que nos dias úteis
muito mal respiro e vivo
tenho no domingo a redenção
o fôlego, a glória, o carpe diem
e me apego ao dia inútil
como um devoto se apega ao santo

o domingo é meu dia santo
e nele eu desejo tudo
o sono sem despertador
o incenso psicodélico
a fluência multiidiomas
uma corrida até saturno
silêncio voz sombras
riqueza de indefinições
estranhezas que devo ou não
todo o impensado eu quero
temperar com manjericão e alecrim
pintar o teto em aquarela
remeter umas quinze cartas
voar sozinha de parapente
fazer lista de intenções
e um caleidoscópio artesanal
sem prazo de validade

quero escrever tanta página em prosa
e a ampulheta só comporta uns versos

uso meu domingo salvação
listando vontades sem fim
e me cansa enumerar tanto
e me cansa fazer tão pouco

e começo a segunda-feira
disparando sem fôlego
na largada dos dias úteis

domingo, 22 de junho de 2008

Leito vazio


[de uma poeta conterrânea, Troiana]








Eis o que sou:
Poeta sem poesia
Essa, sem versos
Que rumo inverso
Que me sobrou

Olha o que sou:
Músico sem música
Essa sem nota
O que me denota
Culpa de quem me criou

Bem, o que sou?
Escritor sem página
Essa, sem tinta
Mesmo que sinta
Já se cansou

Não sou aquela folha em branco
Sou o vazio do rio de teu pranto
Sou de tua liberdade, a prisão
Porque és aquela canção
Que cantar não posso
O poema e o remorso
Que não o declamarão
A eterna escravidão
Dos meus amores
És dos sabores
Que nunca terei

Porque sou os passos que nos aproximam
E és a distância da rotina
Que nos separa

Sentou-se no leito vazio
E fez correr esse rio
Pro mar da sua infelicidade
Sucumbindo a verdade
Nasce, como o verde,
Entre as pedras
A saudade, entre as trevas,
Do meu peito

Brota... daninha
E morre sozinha
No jardim secreto de meu coração