quarta-feira, 14 de maio de 2008

Sobre o Artur, que palavras posso usar?

Artur da Távola despediu-se deste mundo já faz uns dias, e só hoje tenho condições de articular qualquer coisa sobre ele. É que fiquei órfã. Ficamos. Mesmo os que nem o conheciam.

Artur entrou em minhas leituras há oito anos, quando, por sugestão dum amigo, catei quatro de suas seleções de crônicas num sebo. Todas publicadas no fim dos anos setenta. Nasceram comigo, com o pessoal da minha geração. A diferença é que eu vou morrer, assim como meus contemporâneos, nossos ascendentes e descendentes. Assim como o próprio Artur. Mas, expressões claras dum ser com uma sensibilidade e agudeza de espírito incomuns, suas crônicas permanecem, e sempre muito atuais. É um conforto. É um alívio. É uma obviedade. Eu sabia disso desde quando o conheci.

As suas crônicas nada têm de raso ou efêmero. Quem as conhece, sabe do que falo:ninguém passa pelas palavras dele com coragem para continuar sendo a mesma pessoa. Todos os adjetivos que eu, tolamente, me arriscasse escolher para caracterizá-lo, ah, que ingênua, não bastariam. Eu não encontraria as expressões que dissessem em meu nome o meu sentimento traduzido.

Para os aventureiros interessados, sugiro especialmente ‘Cada um no meu lugar’, sobre o qual o próprio autor escreveu: “A pessoa, quando fala deste título, diz ‘Cada um no Seu lugar’ e não ‘Cada um no Meu Lugar. Isso mostra como até inconscientemente somos reacionários. É a tendência a rechaçar o novo e permanecer até com os sons habituais. Cada um no ‘Meu’ Lugar é exatamente a antítese de uma sociedade que quer cada um no Seu lugar, impedindo o crescimento e a democratização interna dela, sociedade, e, delas, pessoas”.

Recordando o meu feliz garimpo no sebo carioca, tenho aí o melhor exemplo de diferença entre preço e valor. Cada um dos quatro livros custou três reais. E eles passaram a constituir a minha bíblia. A minha bíblia custou doze reais. E, no entanto, não tem preço. São livros para serem devorados com a urgência possível.

Desde então, passei cinco anos ensaiando mentalmente o e-mail que eu enviaria ao Sr. Távola para contar-lhe exatamente que ele era o autor da minha bíblia particular. O problema é que eu nunca era capaz das palavras que ele merecia receber. Até que um dia eu fui. Ou fui cara-de-pau o suficiente para achar que sim.

Vinte dias depois chegou-me a resposta, de uma gentileza ímpar, sendo que um trecho era esse: “A meu convite, venha conhecer em versão digital o meu primeiro e-livro, com crônicas sobre um Rio não óbvio, às vezes escondido. Rio, um olhar de amor”. E baixando o livro a partir deste link li novas delícias, agora duma safra bem recente. E pensar que se tivesse demorado oito anos, ao invés de cinco, pra me encorajar... Ai!

Para encerrar, e nem de longe encerro o que tenho a dizer/pensar/sentir sobre ele, valho-me de sua crônica “Há sempre uma perda em cada encontro”. É onde ele diz que felicidade tem mais a ver com “tristeza feliz” que com alegria. Porque “tristeza feliz é a que só surge depois dos encontros verdadeiros, tão raros. [...] Quem se alegra demais, se distancia da felicidade. Felicidade está mais próxima da paz que da alegria; do silêncio que da festa; do encontro que do debate. [...] Felicidade está perto da tristeza, porque a certeza da perda se instala a cada vez que estamos felizes. [...] Há sempre uma despedida em cada alegria. Há sempre um ‘e depois?’ após cada felicidade. Há sempre uma saudade na hora de cada encontro. Antecipada”.

E eu, que não estou nada alegre, mas imensamente feliz, triste-feliz, pelo encontro que tenho há anos com o melhor do que seja Artur (com que palavras eu poderia expressar o tal não-sei-quê inominável que a arte dele provoca em mim, e de modo que já servisse de agradecimento?), eu agora peço licença. Vou ler a bíblia.

Um comentário:

Unknown disse...

Não se o pedido é válido, mas troque a cor do blog... cinza me entristesse* e rouba muita energia positiva...

Vi, as interminaveis reportagens sobre a morte do cara, pareceu-me interessante, mas sinceramente nunca li nada dele até onde me lembro...

Alguma dica de começo?