domingo, 27 de agosto de 2017

No dia em que descobri as funções do sambaqui

(Publicado primeiramente aqui.)



É primavera de 2014
eu nas pesquisas pruma arte visual
sobre aquela maniazinha
que se carrega pela vida:
querer deixar no mundo um nada que seja
uma coisinha que nos imortalize
e pra isso serve um poema,
uma piada,
uma história,
uma tela,
um biquinho de crochê
um filho
uma foto
uma boneca de pano
a dedicatória escrita num livro
uma pipa caseira
uma casinha na árvore
um souvenir de Itavuvu da Serra
uma receita especial de nhoque
pra usar nos dias vinte nove

serve até um mantra
e, na falta, serve um
bilhetinho já lido
de biscoito da sorte
(...)
escolho representar na tela
uns padrões de pintura rupestre
com a arte da pré-história mostrando
essa mania de deixar pegadas
não é coisa só de agora
(...)
nisso é que acontece
acidentalmente
cruzando google com
livros de história
a minha grande descoberta desse dia:
eu até então pensando que sambaqui
era só um monte de concha antiga
descubro que nos antigamentes
ele era espaço multiuso,
monumento, mirante, cemitério,
oficina metalúrgica e lítica
além do calcário para a construção civil
comparado em livros e estudos
às esfinges e pirâmides do Egito!
será que eles sabiam que essa concharada
tinha chance de chegar ao nosso tempo?
só sei que hoje, quando ando na praia
e vejo qualquer cacareco de marisco,
com um cantinho do olho entre
o astigmatismo e a agonia
eu olho pra trás, olho pra frente
enxergo passado, enxergo futuro
tudo assim meio bagunçado
bem aqui no meu presente.



(detalhe da tela Enigma do Esquecimento, 2014)



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